São cantos ou louvações que, em outras épocas, eram entoados, diante do presépio, nas
noites de Natal, e mais especialmente na véspera, para aguardar a celebração da Missa
do Galo. Representavam a visita dos pastores ao estábulo de Belém, com ofertas,
louvores e pedidos de benção. Os pastoris foram evoluindo para os autos, pequenas
peças de sentido apologético, com enredo próprio, divididos em episódios com o nome
de “jornadas”, denominação ainda mantida em todo o Nordeste do Brasil. A jornada
equivalia a “ato” ou “cena”, que podia variar de número. Para essas representações
convergiam assuntos de outros como: Reisados, Janeiras e as antigas Pastorais que eram
apenas o canto em uníssono, em frente do presépio, de um grupo fingindo os pastores.
Na realidade, o Pastoril nasceu dos dramas litúrgicos da Natividade, representados nas
igrejas, nos quais se assistia ao nascimento de Jesus, ao aviso dos pastores, à adoração
dos Magos e à oferenda de incenso, mirra e ouro, e por fim à mensagem do anjo aos
reis, para não irem ao Palácio de Herodes. Mas, o auto do Pastoril com sucessão de
cenas, falas, cantos e danças, surgiu em Portugal, e, desta forma, foi introduzido no
Brasil, sendo hoje dispensável a presença de imagens e presépios. No Ceará ainda
permanece a apresentação dos autos, com loas ao Menino Deus, apresentação de figuras
diversas e a presença constante dos cordões azul e encarnado. A existência do nome de
“cordão” é devida à influência poderosa da música profana carnavalesca. Quanto à
denominação de cordão azul e encarnado é justificável, por serem as cores votivas de
Nosso Senhor e Nossa Senhora.
Enredo
No Ceará, como em todo Nordeste, os autos Pastoris são grupos de pastoras, divididos
em duas filas paralelas: uma chamada Cordão Azul e outra Cordão Encarnado,
conduzindo cada elemento, um pandeiro colorido. Inicialmente se dá a Anunciação do
Anjo à Maria sobre a vinda do Espírito Santo, que a fará conceber o Filho de Deus. Na
jornada seguinte, os Pastores recebem o aviso da Estrela Guia sobre o nascimento de
Cristo, ao mesmo tempo em que o anjo exalta este evento, cantando.
“Glória, glória seja dada
Ao nosso Deus nas alturas
Na terra de boa vontade
Santa paz e mil venturas ”.
Então, entram os cordões de pastorinhas, conduzidos pela Diana, figura principal dos
cordões. Apresenta-se o cordão encarnado formado de: Mestra, Cigana, Borboleta e
Pastorinhas, enquanto que o cordão azul apresenta a Contra-Mestra e as demais figuras.
Todas reunidas saúdam o público presente.
* CEARÁ. Secretaria de Indústria e Comércio. Manifestações do Folclore Cearense.
Fortaleza, 1978. Trabalho Elaborado pelo Departamento de Artesanato e Turismo e
empresa cearense de Turismo.
“Boa noite a todos
Chegamos agora
Com o nosso pastoril
Todo cheio de glória,
E nossas pastorinhas,
Com muita alegria,
Em vir festejar
O nosso Messias”.
Outra jornada interessante é a das Ciganas que cantam belas canções e procuram
adivinhar o futuro, lendo a “Buena Dicha” dos pastores. Neste momento, uma delas se
dá conta da chegada do Messias e do local onde se encontra.
Mais uma vez os cordões das Pastorinhas cantam as suas loas, procurando cada cordão
destacar-se um do outro, o que concorre para vibração da platéia e sua adesão a um dos
partidos. Estabelece-se, então, uma rivalidade entre os partidos, ocasião em que são
interrompidos pela chegada das figuras jocosas de Chico Mané Carrapeta, o Zabumba,
que canta, toca, dança e diz gracejos, seguido do Africano e do Galego. Resolvem todos
associar-se às alegrias do momento. Cantam juntos:
“Glória, glória a Jesus
Glória a Maria José
Vamos depressa à gruta
Com alegria e fé”.
As pastorinhas que haviam deixado a cena, retornam cantando:
“No firmamento uma estrela apareceu
Com raios vivos de beleza sem igual
Anunciando que Jesus nasceu
Dando brilhos nesta noite de Natal”.
Chega a vez da borboleta que com sua graça a todos encanta:
“Eu sou uma borboleta |
Sou bela, sou feiticeira |
Ando no meio das flores |
Procurando quem me queira”. | BIS
Como ocorre em todo auto, há sempre uma cena dramática em que pode ocorrer uma
ressurreição ou conversão. Neste das pastorinhas, ocorre a morte da pastora Mirim,
causada pela Cigana que deseja a todo custo roubar o Messias. Após uma tentativa de
socorro realizada pelos pastores, Miriam é ressuscitado praticado, pede perdão e abraçase
com a pastora, em sinal de amizade. O anjo, juntamente com todos, canta:
“Vamos depressa à lapinha
Adorar o Salvador
Num presépio reclinado
Cheio de graças e amor”.
As pastorinhas cantam várias loas a Jesus, José e Maria e se dirigem ao local onde está
armado o presépio ou lapinha. Após o Glória entoado pelo Anjo, Nossa Senhora e São
José dirigi-se a elas:
“Já chegaram ao Presépio,
Postai-vos todos com amor
Este é o nosso filho unigênito,
É o vosso Redentor”.
Nesta ocasião, todos se ajoelham e cantam: “Noite Feliz”.
Logo depois os cordões das pastorinhas se despedem:
“Pastorinhas se despedem
Do presépio de Belém
De Jesus e de Maria
Até para o ano que vem
Adeus senhores, adeus senhoras
Até para o ano
Ao romper da aurora”.
Personagens
As Pastorinhas são as responsáveis pelo desenvolvimento do tema, transformando sua
atuação em verdadeiros entreatos do pastoril, isto porque entre uma e outra cena, elas
aparecem com o objetivo de estabelecer ligações entre as jornadas e, ao mesmo tempo,
animar os espectadores com suas músicas, coros e evoluções. Vestem-se à caráter,
distribuídas nas cores azul e encarnado, de acordo com o cordão ao qual pertencem. É
comum usarem na cabeça, ao invés de lenço, diademas floridos ou feitos em cartolina
com areia prateada. Usam colares reluzentes e alpargatas. A Diana, guia do grupo, é um
misto dos dois cordões, isto é, sua veste é azul e encarnado. A Mestra e a Contra-
Mestra dos cordões vestem-se igualmente. Todas conduzem instrumentos rítmicos,
como pandeiros ou outros tipos semelhantes, fabricados pelos próprios elementos. Os
Pastores e Pastoras que tomam parte nos diversos diálogos apresentam-se com uma
bengala, símbolo dos pastores. As Ciganas – símbolo do mistério e da fatalidade
correspondem às antíteses do mal e do bem. O Zabumba com seu instrumento
retumbante é o personagem cômico da peça, tendo quase a mesma função do Careta do
Bumba-meu-boi. A Borboleta é o personagem mais puro e mais belo. Representa a
próprio natureza. Os demais personagens como: Africano, Galego e outros, são
funcionais, variando de região para região.
Música, Coreografia e Instrumentação
A música do Pastoril se baseia na tônica predominante de todo cordão. E, assim sendo,
é a marcha o ritmo que se destaca, havendo porém a presença do baião e da valsa, estes
com relação ao aspecto profano. No sentido religioso, continuam em evidência os hinos,
como resultado da influência do catolicismo. A coreografia se resume nas evoluções dos
dois cordões, dispostos em fileiras, e obedecendo ao comando da Guia, Mestra e
Contra-Mestra. Os outros personagens solistas têm coreografia livre, atuando de acordo
com o seu papel. Apenas a Borboleta tem uma movimentação maior no cenário. O
Conjunto Regional é formado de instrumentos de pau e corda, tais como: violão,
cavaquinho, pandeiro, pífaro, etc. nos grupos de melhores condições econômicas, pode
ser notada a presença do sax.
Local de Apresentação
O Auto das Pastorinhas ou Pastoril pode ser apresentado em qualquer recinto aberto ou
fechado, com ou sem imagens do presépio. A única coisa que deve ser levada em
consideração é o espaço, para melhor desenvoltura dos personagens.